terça-feira, 8 de outubro de 2024

HOJE É DIA DE LIVRO!


O coletivo de crochê de Copeton
Autora: Kate Solly





    Apesar de não assinar a TAG Livros já há algum tempo, continuo acompanhando os lançamentos do clube, quando li a premissa desse livro, que seria lançado em Abril de 2024 na TAG inéditos, fiquei com vontade de ler por diversos motivos.

    Um deles porque me pareceu ser um livro leve de ler, confortável, aconchegante como um cobertor de crochê, usando todo o trocadilho do mundo (rsrsrs), e eu estava realmente precisando de uma leitura tranquila. Eu gosto de livros cabeças, densos e que me fazem pensar, mas preciso alternar com muitos outros confortáveis porque a vida já é densa demais e não quero me tornar uma pessoa amarga. Se você não se sente assim, meus parabéns, eu me sinto.

    Outro motivo pelo qual eu queria ler esse livro, é que ele me lembra muito um filme que assisti na adolescência e nunca mais consegui achar pra ver de novo, chamado Colcha de retalho, onde uma senhora convoca outra senhoras que fazem parte da comunidade para costurarem juntas uma colcha para dar de presente de casamento para sua neta. Enquanto elas vão costurando vamos conhecendo um pouco mais essas senhoras através das suas histórias.

    O legal é que esse filme é citado na revista da TAG sobre o livro.


    Diferente do filme, no livro temos contato com acontecimentos no tempo presente. Somo apresentados a Meredith, a pessoa que cria o grupo, extremamente fechada e, segundo entrevista com a autora, possivelmente dentro do espectro autista. Claire, uma mãe suburbana de cinco filhos, com uma vida a princípio bem comum. Yasmin, uma mulher de religião muçulmana, grávida e com vários medos decorrentes disso. Lottie, que sinceramente a história me passou batida, mas que é uma pessoa muito falante, muito solícita, muito, muito! Edith, uma Sra aposentada, cuja história a princípio serve apenas para trazer um outro personagem ao grupo que é seu neto. Luke, único homem no coletivo, buscando um rumo pra sua vida, mas que não é tão aprofundado assim. Finalmente Harper, a última a se integrar ao grupo e que faz o perfeito estereótipo da adolescente raivosa e trevosa.

    O livro é contado sob vários pontos de vista, uma hora o capítulo mostra Yasmin, em outro já fala de Harper e assim cada pequeno ato de cada um desses personagens reverberam para o ponto central da trama. Sei que muitas pessoas não gostam desse formato de narrativa por parecer um tanto confuso. Eu gosto muito, de certa forma nos obriga a prestar atenção nos detalhes para entendermos se o capítulo acontece em um tempo anterior ou posterior de um outro até conseguirmos montar o quebra cabeça maior. Inclusive Game of Thrones, que é um sucesso literário, é todo construído assim, e apesar do sucesso, muitas das críticas evocam essa característica.

    O mote central envolve aceitação e preconceito. Lottie é coordenadora de um bairro residencial planejado primeiramente para idosos, porém como muitos lotes estão desocupados, a ideia é que eles sirvam de primeira estadia para refugiados que chegam na Austrália e precisam de residências baratas e assim se integrarem à sociedade australiana para posteriormente caminharem com as próprias pernas.

    Paralelo a isso, a comunidade islâmica está construindo uma mesquita na região de Copeton.

    Esses dois eventos, obviamente, acarretam uma onda de ultranacionalismo, preconceito, e ataques de ódio. O coletivo por sua vez, busca formas de combater essa onda de uma forma menos bélica.

    O legal é que mesmo as pessoas do núcleo reaça, a autora dá uma certa profundidade nos mostrando que muitos deles são pessoas deslocadas socialmente e que buscam um alvo, um bode expiatório para extravasar todo o conteúdo armazenado neles.

    Foi bonito testemunhar a dicotomia Claire / Harper, e até um tapinha na cara de quem olha meio de lado mulheres que optam por ser apenas mãe, que de apenas não tem nada. E aí eu me incluo, estou sempre buscando mudar essa visão, mas maternidade é algo que até hoje me assombra.

    Claire tem uma vida bem comum, uma mãe que vive com a casa em um verdadeiro caos, com criança berrando e correndo por todos os lados e que busca o coletivo pra sair um pouco da sua rotina, sentir que ainda pode se conectar com adultos.

    Por outro lado, Harper é uma adolescente em liberdade condicional que entra no grupo por indicação de sua agente social, Sempre raivosa, sempre na defensiva e atacando antes que lhe machuquem, mas que possui uma alma criativa e cujo alter-ego na internet é de uma mulher casada, com filhos e uma casa sem graça do subúrbio, basicamente, Claire. Isso fica ainda mais claro quando na página 253, as duas tem uma conversa bem franca e Claire diz que Harper tem razão em dizer que a vida dela é bem chata. Harper diz que só falou isso pra afastar ela, que na verdade ela acha que a vida de Claire é tudo, ou seja, tudo que ela, com uma vida completamente desestruturada, gostaria de ter.

    Meredith é a personagem que mais fala comigo, assim como ela, tenho muita dificuldade em fazer e principalmente, manter amigos. Ela é extremamente controladora e pragmática por achar que essa é a única forma de manter as coisas mais ou menos justas, principalmente para pessoas tímidas e introspectivas como ela.

    Em um momento de explosão onde Lottie e Luke com sua expansão característica, parecem tomar conta do grupo ela diz na página 145 “- Os extrovertidos nunca acham que as programações são importantes. Preferem elevar a voz acima de todos, porque é assim que funciona pra eles.” E ainda na página 147. “Quando você segue uma programação, tudo está claro. Todo mundo sabe o que dizer e quando deve dizê-lo. Todo mundo tem vez, mesmo que a pessoa seja tímida e não saiba se posicionar.”

    Luke por sua vez trás aquele personagem que, por querer ter uma aproximação com Meredith, busca saber como ela funciona e por gostar dela, respeita sua forma de interagir com o mundo e até aprende outras formar de ver o mundo e, como toda relação humana é uma troca, também ensina Meredith outras formas de interagir com o mundo.

    O que não gostei desse núcleo foi ela ter transformado em romance, é como se ela estivesse dizendo que um homem só vai se interessar em conhecer melhor uma mulher se houver interesse romântico, poderia até ficar implícito que em algum momento eles poderiam até virar um casal, mas porque não começar com uma amizade genuína? Inclusive na página 261, depois de Meredith jogar na cara de Luke que ele nunca quis ser amigo dela, ele diz: “- Se você fosse um cara, se você não fosse Meredith, se você fosse... sei lá... um homem chamado Merv. Se você fosse o Merv em vez da Meredith, eu iria querer ser seu melhor amigo.” E eu pergunto, por que um homem não pode ser melhor amigo de uma mulher? Vamos mudar isso aí né, século XXI e tal.

    Enfim, gostei muito do livro apesar de algumas observações, e talvez uma pessoa diferente de mim, se conectaria com alguma outra personagem e veria problemas em outros aspectos, leitura é isso, nunca é totalmente passivo, sempre colocamos conteúdo nosso quando lemos.

    Dizem que classificar arte é inadequado, e confesso que tenho dificuldade com estrelas e notas em relação a livros, o que posso dizer é que indico sim o livro, mas que não vai funcionar pra todo mundo ou para todos os momentos. Se você estiver precisando de uma coisa mais calma e até um pouco catártica, esse livro é pra você e caso você leia e não goste, quem sabe ainda não é o momento de ler. Deixa ele descansar, quem sabe futuramente ele vai ser exatamente o que você precisa?

E para não fugir à métrica 3 planetinhas. 🌎🌎🌎

Beijos

2 comentários:

  1. Deus é minha testemunha do quanto sou capaz de enfrentar livros difíceis, viscerais e densos, mas a vida é melhor quando a gente encontra um livro confortável que sabe ser quentinho no inverno de nossas vidas e frescos quanto o clima interno é infernal.

    Sobre o livro, a trama dele, nessa pegada de juntar várias pessoas diferentes em torno de algo, me lembrou "O Clube de Leitura de Jane Austen" só que mais engajado com os temas e problemas de nosso tempo.

    Gosto muito desse tipo de livro no qual a autora ou autor oscila entre o ponto de vista de vários personagens diferentes para montar um quadro geral de uma situação. Achei tua resenha muito completa, você é uma leitora e resenhista muito lúcida e sincera ao da a opinião muito respeitosa. Posso dizer que gosto muito daqui.

    ResponderExcluir